domingo, 25 de agosto de 2013

SUPER SALVADOR

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Man of Steel. Elenco: Henry Cavil, Amy Adams, Michael Shannon; Produtor: Christopher Nolan; Diretor: Zack Snyder; (USA/ Canadá/UK) 2013.

Saiu de cartaz. Agora a gente pode falar tudo, tudinho. Quem viu viu, quem não viu tem que ver. O último filme do Superman é uma história de David S. Goyer e Christopher Nolan, a partir da criação de Jerry Siegel e Joe Shuster. Uma verdadeira obra prima de reflexão e efeitos especiais, nela faz-se a narrativa dos conflitos internos vividos por Clark Kent (Henry Cavil), o momento "ser ou não ser" do herói mais famoso e poderoso das histórias em quadrinhos,  a assunção de sua suposta missão de vida e a aceitação dele,  pelo mundo, representado pela nação norte americana. Este é o tema central do fime de Zack Snyder.
Nenhum cineasta, desde a década de setenta, época do lançamento do primeiro fime  da saga (Superman - o filme; 1978), ousou colocá-lo na berlinda, com dúvidas, questionamentos, conflitos internos e externos, com os EUA colocando-o em xeque, querendo destruí-lo, vendo nele uma ameaça alienígena. O filme é o recorte de um período bem demarcado na construção da identidade do Superman e da decisão de se tornar o Clark Kent do Jornal Daily Planet, com algumas remetências à infância, ao seu processo de adaptação, controle de seus poderes e da aceitação dele, por parte do mundo, como protetor e salvador.
Sim, as referências à história do messias cristão são óbvias, mas isso vem desde à década de sessenta. O arcabouço da história do homem de aço tem semelhanças com a história do cristo como apontou algumas críticas cinematográficas e é desse arcabouço que a gente vai falar.


O Superman nasceu em 1938 nas histórias em quadrinhos inspirados por dois adolescentes, depois do crash  de 1929 e antes da segunda guerra mundial. Dizer que a criação veio da necessidade de invenção de um heroi num período tão peculiar, vindo de adolescentes de dezessete anos é viajar bastante, já que nessa idade ninguém se preocupa com política econômica. Mas à medida que as HQs foram tomando um alcance maior de público, foram sofrendo modificações e inserções em contextos políticos e econômicos, de acordo com o interesse de uma classe, foram se tornando instrumento de veiculação ideológica e, quiçá, de manipulação. Não deve ser mera coincidência que a maioria dos super heróis nascessem, fossem criados ou tomassem fôlego nessa época, momento em que havia uma necessidade premente de fomentar nas pessoas uma crença na invencibilidade, na força e na positividade diante das agruras sociais que assolavam o mundo. É, funcionamos inventando fortalezas imaginárias para nos ancorarmos enquanto procuramos pelas nossas por transferência.
O Superman foi o herói que, à medida que o tempo passava ia mudando e se adaptando às contingências de mercado editorial, às outras mídias nas quais ia se inserindo ( rádio, séries de TV, animação, games e filmes) e concomitantemente ia mudando seu perfil, angariando mais poderes. Aprendeu a voar em 1940, ganhou poderes adicionais durante sua jornada de super herói ( visão de raio x, visão telescópica, visão de calor, sopro de gelo, super sopro). Todas essas mudanças e adaptações da personagem ao longo de seus setenta e cinco anos influenciaram a construção de sua história. Os detalhes da origem iam mudando, relacionamentos e habilidades iam se adaptando às exigências de uma época e de um público cada vez mais diverso no decorrer das publicações e exibições em outras mídias. Ele só descobriu sua origem em 1949; foram estabelecidos multiversos, espaços em que existiam vários de si mesmo e ao mesmo tempo, a partir de 1960. Mas foi em 1961 que se iniciou os ensaios da morte do Superman. As HQs passavam por uma crise e, a partir daí, se testou os fãs e como seria o mundo sem o Superman e qual seria a reação do público. Então, neste ano é publicada "a morte secreta do Superman"; em 1970 ele é supostamente morto por um vírus; em 1986 ele é morto pelo monstro Apocalypse, de todas as mortes ele retorna. Nesta fase o processo de "jesusificação" está completo com morte e ressurreição nas histórias em quadrinhos. Na animação, a liga da justiça em "A better world" e "Superman vs Doomsday"; na série de TV"Smallville" na 5ª temporada tem a primeira versão de morte e ressurreição; na 8ª temporada no episódio 22 ele morre e é ressucitado por Jor-el , seu pai, na fortaleza da solidão; na 9ª temporada episódio 21 intitulado  "salvation" ele luta contra Major Zod, uma versão juvenil do General Zod, se sacrificando, para em seguida, no 1º episódio da 10ª temporada, intitulado "Lazarus" ser ressuscitado por Jor-el. Mas a junção de tudo isso feito por fãs de uma comunidade internacional, usando trechos de filmes e clips já existentes, é extraordinária: a morte do Superman ; o funeral do Superman ; a ressurreição do Superman .



À medida que os veículos midiáticos iam alcançando um público maior e mais heterogêneo, a inserção da história do Superman sobre o arcabouço da história cristã foi se consolidando, pois  mantinha um nível de conforto e não questionamento que fazia com que a aceitação gratuita, contida na história, fosse justificada.
As versões cinematográficas oficiais se ocupavam desse arcabouço bíblico de forma mais discreta, através de citações, insinuações contextuais  e leituras semióticas. Vejamos: "E eu vos envio o meu único filho (...) Terá a aparência de um deles mas não será um deles (...) Ele traz o pai dentro de si por todos os dias da sua vida (...) o filho transforma-se no pai e o pai no filho (...)  Eles podem ser um grande povo, desejam ser, só lhes falta uma luz para mostrar o caminho" (...) (Superman- o filme; 1978) Ressuscita Louis Lane, voltando o tempo, girando a terra no sentido anti-horário (1978); Faz  chover (Superman III; 1983);   com Brandon Routh, o Superman fica à órbita terrestre tomando conta do planeta e com sua audição aguçada ouve os pedidos de socorro e os atende em Superman - o retorno (2006).  " Você pode salvar a todos eles (...) Você dará ao povo da terra um ideal pelo qual lutar, eles te perseguirão, eles tropeçarão, eles cairão, mas com o tempo... você os ajudará a fazer maravilhas (...) Você é a resposta" (Man of steel; 2013).  
Depois dessa viagem toda, para onde Zack Snyder e Nolan fugiriam? Não fugiriam. Esse arcabouço está construído há, pelo menos, trinta anos.  Em Man of steel (2013) no sangue do superman reside o segredo e o motivo pelo qual General Zod (Michael Shannon) o procura avidamente. Nele foi inoculado o código genético dos que não nasceram ainda, quando de sua partida de Krypton na nave Gênesis. Em relação à leitura semiótica, ainda em Man of steel (2013) Quando General Zod pára o planeta terra com uma mensagem de ameaça à humanidade, caso Superman não se entregue,  e ele, Superman, vai até a igreja e fala com o padre Leone (Coburn Goss) e atrás de henry Cavil encontra-se um vitral da oração de  jesus cristo no Getsêmani, seus últimos momentos antes de se entregar aos soldados e, é isso que ele (homem de aço) faz.
O Superman é uma alusão cristã de um messias que foi enviado para salvar a terra de nós mesmos. Em todas as versões para cinema, animação e quadrinhos, o Superman é o cristo americano. A pergunta que não quer calar é: Qual o problema usar o arcabouço e uma história para construir outra? Nenhum. Os céus não impetram processo contra plágio e a igreja não se manifesta se não houver heresia, maculação da fé ou infração dos dogmas por ela pregados, e vamos combinar, é uma história belíssima. Um dos maiores plagiadores da história da música foi Handel, que usava o arcabouço musical das óperas que assistia e produzia obras espetaculares. É o uso em pêlo do velho ditado "aqui nada se cria tudo se copia" .
Agora, se o problema for síndrome de deus, Man of steel está com superlotação. O quarteto fantástico, Zack Snyder (diretor), Deborah Snyder (produtora), Christopher Nolan (produtor) e Emma Thomas (produtora) dão um banho de tecnologia, criatividade e competência, mostrando que amor e negócios se misturam sim e dá certo. A produção total do filme ficou estimada, segundo sites especializados, em duzentos e vinte e cinco milhões de dólares e com um retorno, em bilheterias até dezesseis de agosto, de duzentos e noventa milhões de dólares, no mundo do cinema isso não é necessariamente fazer sucesso, mas prejuízo não deu. Com o uso de atores competentes - não deve ser fácil contracenar com um fundo verde - foi contada uma história simples com efeitos especiais avassaladores. A tatibilidade é de cair da cadeira, a velocidade da ação, a impactação é tudo e mais alguma coisa. Na versão 3D se saiu da sala de cinema com os resquícios dos escombros na roupa. Na versão IMAX a sensação panóptica foi espetacular, tudo o que a diegese pode fabricar em nós, pobres mortais, e o objetivo é esse mesmo. Um dos produtores de versão de 1978 disse; " no passado a arte do cinema nos fazia deixar de acreditar, hoje a arte tenta fazer acreditar"  e ainda acrescenta: " Superman Junto  com Sherlock Holmes e Tarzan, são os três homens mais famosos que jamais existiram" Tudo, obra desse mecanismo de criação de uma  "realidade irreal" fomentada pelo cinema.


No filme de Zack Snyder tinha mais gente na computação gráfica e efeitos especiais que figurantes. O diretor de Watchmen e 300, acostumado a super heróis e grandiosidades, nos traz a lembrança de Matrix, na forma artificial de geração dos bebês em Krypton, nos tentáculos que tentam deter o homem de aço e nas naves espaciais apocalípticas e mostra o quanto as ideias são um celeiro pululante de realidades e nuances inimagináveis e que, quando são postas em prática com competência, expõem esse potencial criativo do ser humano e sua condição de fabricar "maravilhamentos".
As ousadias de Man of steel vão desde a inventividade do figurino até a  arriscada mudança da tradicional trilha sonora do Superman. Uma salva de palmas para Hans Zimmer, que além de corajoso, foi muito, muito competente. Desbancar John Williams que, além de ser autor da trilha tradicional, é pai da trilha do Star Wars e da imortal marcha imperial do grande Darth Vader, não é para qualquer um. saiu-se do cinema com a música na cabeça colada feito chiclete e os sintomas virais duraram dias. (degustação) .
Quanto aos deuses atores, Michael Shannon (General Zod) foi brilhante. Interpretar o possível lúcifer
tupiniquim, aquele que tentou dar o golpe de estado em Krypton - cuja destruição merece um filme à parte - e ainda ter que perseguir o único filho de Jor-el (Russel Crowe) enviado a um planetinha dentre zilhões de outros planetas no universo, não deve ter sido fácil.
Quanto ao Henry Cavil....Meu Deus! Com um físico talhado a anabolizante, na medida, apesar da roupa do Superman aparentar ser uma delicada armadura, há que se ter com o que preencher aquela farda de salvador da humanidade. Um corpo glorioso, um olhar celestial, uma voz divina que caiu como uma luva para interpretar a versão pós-moderna do messias, com direito, inclusive, aos seus três segundos de virilidade na cena de cauterização de Louis Lane (Amy Adams) na fortaleza da solidão.
 Para finalizar, Man of steel foi uma síntese do que se pode fazer com o cinema e seus sons. Acabou com mistério do S no peito de homem de aço, focou num momento "sui generis" da vida do super herói, que é da vida de todos nós, deu mais um fôlego a esse septuagenário personagem dos quadrinhos e nos pôs para refletir. Independente das vertentes que se use para olhar a personagem do Superman ele vai sempre representar tudo o que gostaríamos de ser, todo o poder que gostaríamos de ter, o senso de justiça, a pureza de alma, a almejada onisciência e a possibilidade de estar acima de tudo que é mesquinho e destrutivo com fidedignidade. Ele será sempre o diferente para mais, o exemplo do desajuste compensador, da compaixão sem medida, do poder absoluto num corpo, numa mente e o depositário da coragem e do equilíbrio, enfim, um símbolo de proteção. E, ainda por cima, nos traz a lição incontestável de que nunca é tarde para se aprender alguma coisa, depois de setenta e cinco anos terrenos, ele finalmente aprendeu a colocar a cueca por dentro das calças.
Nos cinemas não dá mais, mas brevemente, esse deus grego estará disponível na locadora mais próxima de nossas casas.....Jesus apaga a luz!


Agradecimentos: O meu muito obrigada ao Robson e Dandara da Night Vídeo, que foram grandes facilitadores dessa pesquisa.

Um comentário:

  1. Texto maravilhoso, muito interessante, nunca tinha feito essa analogia, e ela é totalmente coerente.

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